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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Faze em mim a verdadeira força do jaguar...


 "EU ACHO QUE TIVE UM SONHO, MAS NÃO ME LEMBRO EXATAMENTE DA MÚSICA QUE TOCAVA,
TALVEZ POR ISTO TENHA ACORDADO ESQUISITO TENTANDO OLHAR PARA ALÉM DO ESPELHO,
PARA MUITO ALÉM DOS LADRILHOS DO BANHEIRO, COM O OLHAR VAZADO, O DOS SANTOS, DOS SOSSEGADOS,
 DAQUELES QUE DERAM POR FINDA A BUSCA. O OLHAR DE TIA  NEIVA. ACHO QUE FOI ISSO- SONHEI COM ELA,
NÃO EXATAMENTE COM ELA, MAS EM ALGUM LUGAR DO DELÍRIO ELA PASSAVA ARRASTANDO O MANTO,
COM AQUELA BELEZA DE RAINHA. TIA NEIVA ERA BELA, EU ACHAVA. CERTA VEZ, EU ESTAVA FILMANDO EM BRASÍLIA
E FOMOS TODOS AO VALE DO AMANHECER. EU, LUCÉLIA SANTOS, LAURINHO CORONA, DANIEL DANTAS, LOUISE CARDOSO, 
CHICO DIAZ, UMA TURMA. HAVIA MUITA GENTE POR LÁ, INICIADOS QUE USAVAM ROUPAS COLORIDAS, VISITANTES,
GENTE DE TODA E POR TODA A PARTE. FICAMOS ALI, FILMAMOS ALI, ASSISTIMOS PARTE DO CULTO E EU TRAGO VIVA
A IMAGEM DOS SACERDOTES QUE VIBRAVAM À VOLTA DE UM LAGO EM FORMA DE ESTRELA. A IMAGEM NUNCA SE APAGOU
DE MINHA MENTE-ERA BONITO!- HAVIA UMA BRISA QUE ENCRESPAVA AS ÀGUAS DA ESTRELA E ELA REFLETIA AS CORES,
 MISTURANDO TUDO NUM EMARANHADO SEM FIM. O LAGO ASSIM, ERA LILÁS, ROSA, AMARELO E DOURADO. NA VERDADE
DEPOIS DE DE MINUTOS DE MIRAÇÃO NÃO ERA MAIS UM LAGO- ERA A AURORA BOREAL QUE MERGULHAVA NAS ÀGUAS DO CERRADO.
NÓS FICAMOS SENTADOS NUMA PEQUENA COLINA NAQUELA TARDE, RESPEITOSAMENTE ASSISTINDO AO CULTO E À EMOÇÃO,
ERA COMO O VENTO NOS CABELOS,  UMA CARÍCIA, UM SOPRO DE VIDA, QUASE UM ADEUS. OS INICIADOS PEDIAM A FORÇA DO JAGUAR.
MAIS DE DEZ ANOS DEPOIS EU ME FLAGRO TAMBÉM PEDINDO A FORÇA DO JAGUAR E ME PERGUNTO, NESTA SOLITÁRIA MANHÃ,
SE O JAGUAR SENTE O QUE EU ESTOU SENTINDO, SE ELE É IMUNE A ESSES TOLOS SENTIMENTOS HUMANOS. AH LEITOR! SE ISSO
PUDESSE ACALMAR O FOGO DAS ENTRANHAS, QUE VIESSE ENTÃO, ESTA FORÇA QUE INUNDASSE MEU PEITO DE SERENIDADE,
QUE APAGASSE TODO E QUALQUER VESTÍGIO DE ANGÚSTIA E DE SAUDADE. TIA NEIVA NOS RECEBEU. ELA TINHA, SE NÃO ME ENGANO,
UM PROBLEMA GRAVE DE PULMÃO- FALAVA COM DIFICULDADE- UM FIO DE VOZ- MAS O OLHAR INESQUECÍVEL. TIA NEIVA OLHAVA ALÉM,
MUITO ALÉM. E SEU ROSTO ERA UMA MÁSCARA IMPENETRÁVEL. APÓS ALGUNS MINUTOS DE CONVERSA, EU FUI PERCEBENDO QUE,
POR TRÁS DA FORTALEZA HAVIA OUTRA FACE. A FACE DA TRISTEZA. E, ENTÃO, ENTENDI O PORQUE TIA NEIVA VIA. NÃO QUERIA VER, MAS VIA E SABIA" 

Miguel Falabella

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Nome



Aprendi a acalmar meus ânimos quando o abraço cola de um jeito que nem chave abre
Você me disse: deixa eu te tocar, mas a comunicação demasiado falha não se fez entender e eu tive que ir embora pra acordar sem saber se o que era foi mesmo ou não e o quê
E mais um bocado de e que não sei mais nomear, umas cabritinhas pulando cerca que a gente perde a conta
É sempre assim quando te sonho, o abraço acaba a saudade fica e o sono some
Já não importa o que é e se acredita e por que
Nada importa.
Foi só um sonho.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Se te queres matar - Fernando Pessoa




Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...
Fernando Pessoa

terça-feira, 3 de maio de 2011

Careta Sonora






Sob cravos nessas mãos eqüidistantes
A receber pilhérias do astro – rei
Não sem dor e sem amor, minha paixão crucificada
Ao longe, a sereia do mundo me olha os olhos de carvão
Bruxuleante e persistente 
Como um martelo a sinto perscrutar meu pensamento gelado
Atrito de ventania dividindo  trópicos
Piso fundo o oceano
Do nascente ao poente vão meus pés em brasa beijar o chão
Em meu seio o crucifixo da noite aponta um norte
Comover o mundo? Não
Ouvir gemidos à lua cheia é isso que me importa
Desejar gemidos de homenzinhos débeis a sorrir
Tenho sede desses homens que ignoram tudo
Bebê-los-ei qual vinagre na espuma do cansaço
Embotarei meus dentes na miséria alheia
Enquanto essa vil ignorância fura-me a carne.