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domingo, 16 de outubro de 2011

meu querido Guardião

Desde que nos falamos pela ultima vez um ritmo lancinante interrompeu-me a memória
Passei a cuspir fogo só de lembrar que em meu tempo, como é próprio dos dragões, cheguei ao máximo da exasperação ao notar que minhas garras ficaram-se em minha própria pele bestial que nada mais era que um trapo do meu passado
Vi-me nu, despedaçado, em conflito com o nada. Só.
Apresentaram-me os confins umbralinos e nele só havia espelhos de horror
Espetáculo espúrio .Tive náusea em minha dor horripilante. Amaldiçoei as estrelas. Vermes caminharam sobre meu corpo, vi minhas vestes se esvaziarem. Reduzi-me a pó de ossatura
Ostentei o quanto pude a bandeira do vitupério. Mas estava só e fui me calando
Não estavam lá para me incriminar minhas mulheres paridas, meus comparsas, nem os bêbados que enviei a calabouços. Onde estariam todos?
Eu era o calabouço, e meu humilde farrapo de febre o único pão a alimentar minha carne
Sob o véu do terror expuseste minha sina, ó terrível consciência...
Hoje sinto diferente, a dor me faz sorrir pois não sou mais aquele desprezível inseto acumulador de chagas, meu caminhar torto se refere à curva evolutiva e não à insurreição
Fruto amargo ingerido em penitência  provei até o último caroço, sou rei!
Volto-me agora sabedor de infindas coisas à superfície terrena, um humilde servo da lei
Quem mais poderia servi-la senão eu que conheci suas mais terríveis cláusulas?
Quem mais aplicaria a mão pesada de deus nas faces inescrupulosas e vadias?
Eu, que o vi se transformar num verme me ensinando que não sou coisa alguma
Na dor, no horror a justiça se revela e ai daqueles que não sabem o porquê do sofrimento
A lei elege seus culpados.  Eu os executo, pois sei que não há fim. 


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Monólogo de uma vela n° 4








"Sem o coração a vela se torna um esdrúxulo exemplar do princípio da combustão. Inútil e passageiro."

Quando o coração sente a presença divina, todo corpo responde, como uma vela acesa se consumindo. Pura luz invisível alterando a matéria.
É impossível ver o divino, vemos o fogo e também vemos e sentimos nós mesmos, revelados por sua presença. Mas o fogo não é deus, o fogo não é a luz em si. Portanto suas diversas chamadas de deus nada mais são do que o esgotamento da imaginação. Na presença da luz só se revela a ilusão da forma, é preciso ir além.

Definindo um deus, expurgamos nossos demônios e acabamos por adorar a nós mesmos enquanto formas imperfeitas e inacabadas, nisso consiste a idolatria. Porque nada há na presença divina  que necessite de nosso amparo, de nossa coordenação.
A magia existe para nos educar e não para ensinar O Divino como agir e o que fazer.

A religião é o ápice da soberba. Não há e jamais haverá intermediador entre o divino e o homem porque a luz penetra em todas as esferas congruentes à sua emanação. Porque a luz já está no homem.
Quem diz ao Sol: podes brilhar ou não podes brilhar? 
Tampouco podemos presentear os anjos, eles é que nos presenteiam trazendo-nos a harmonia celestial, para nos lembrar do que somos. 
Não podemos alimentar a luz, nós não podemos retê-la, é ela que nos alimenta porque sua fonte é incorruptível e insondável.

A luz é tão ampla que se torna uma metáfora a iluminar o que acreditamos não saber mas sabemos.
Para ser luz, porém, é preciso somente uma atitude: abrir a janela. Temos janelas por dentro e por fora. Janelas de olhos, de ignorância, de medo, janela de orgulho e janelas de entendimento. Janelas de todos os elementos, prontas a serem abertas (pois quase sempre estão fechadas) janelas prontas a reagirem quimicamente à presença dos raios divinos.
Amar abre essas janelas de dentro para fora. Você pode pensar que abrir-se o torna desprotegido. É verdade, você pode se machucar mas somente se desrespeitar seu próprio ritmo, ou se permitir que outros o façam por você. Nossas janelas possuem apenas uma chave: o amor próprio.
Lembre-se: luz nenhuma fere, olhos é que se desacostumam a ver.

Amor é integração das luzes. Muitas luzes existem, luzes luzindo luzes, se reformando,se desdobrando, se eterizando e se astralizando, mas somente uma luz é a fonte de todas essas...

A verdade é que sem essa luz, todas as demais se apagam, e pouco importa o nome que lhe é dado, pois seu verdadeiro nome é secreto e só a própria luz sabe. Muitos a chamam de sol, mas o sol é somente mais uma vela nos ensinando que há uma luz maior, que é o centro de tudo e que devemos também ser pequenos sóis, revelando a existência de novos centros, de novas essências, a saber, O divino, que é sempre maior do que a maior grandeza um dia mensurada.